averbamento a folhas tanto

salaoremediosNão sei porque é que os livros antigos das conservatórias do registo predial estão nas respectivas conservatórias e não num arquivo público um pouco mais à mão de semear – o que pode tornar algo que nunca é simples em coisa mais complicada. Ou não.

Principalmente aqueles calhamaços que não têm qualquer informação útil, leia-se, informação mui antiga que já foi anexada a outra mais moderna e que está dentro dos computadores. Mas estão. E haverá uma lógica nisto. Mas as meninas não estão habituadas a pedidos de informação não útil para os números de hoje. É advogada? Não. Historiadora, quando não trato das casas. Não, também não sou proprietária. Ou melhor, estou a pagar a casa ao banco. Não interessa. Recapitulemos.

Bom dia! Estou a estudar o edifício x e queria ver o livro y, nota z. Ver, como quem diz, ler, pedir cópia, digitalizar, o que for possível. A menina larga o balcão e sai lá para trás para tirar cópia da folha 13 verso, no livro que sabe onde está, não sem que se note alguma estranheza no ar. Chega entretanto outra menina a dizer olhe, mas aquilo não tem utilidade nenhuma, não diz nada. É advogada? Não! Como não diz nada?  Por segundos visualizei um livro cheio de letras manuscritas e a folha 13 em branco. Mistério. Que estranho. Como não tem nada, se na escritura x, do notário y,  se lhe faz referência? Não tem nada, não, não tem nada de interesse. É uma lista enorme de averbamentos sem interesse. Como? Como assim? Não entendo. Queira desculpar excelentíssima senhora, o que não tem interesse para si, tem para mim. Qualquer informação, por mais inútil que lhe pareça, é, para mim, importante. Não me leve a mal, mas qualquer sarrabisco serve. Mesmo que o prédio, hoje, já não tenha laços com essa descrição. Já teve, vem daí, é a sua certidão de nascimento. Ah, a menina é historiadora, pois. É pois, estranha, esquisita.

Vem entretanto de lá de trás outra menina historiadora que trabalha ali, mas que sempre que encontra informação sobre algum prédio antigo, rústico ou urbano, toma nota por gosto. Chega a sorrir. Bom dia! Pago as cópias à outra menina que a fila atrás de mim já é longa e há muita gente para atender, e troco-a por esta. Entendemo-nos. Bem, mas é preciso desfazer as barreiras da língua, é que as palavras ali querem dizer outras coisas. Descrição não é uma descrição, é um número, corresponde a uma descrição contida num livro que tem um número, mas com o passar dos anos as pessoas perguntam qual é a descrição? quando estão a perguntar de facto qual é o número da descrição. Qual é a descrição? Não sei, por isso é que estou cá, para a ler. Sei o número que tem, mas não sei o que diz. Depois há os averbamentos, as inscrições – palavras que se acrescentam à descrição e que correspondem a coisas que aconteceram ou alteraram a coisa original. Como quando uma pessoa se casa. Na nossa certidão de nascimento vêm alguns dos nossos passos. Com os prédios é igual. Averbar é inscrever, registar algo por escrito, uma nota à margem; escrever em verba é escrever à margem de um documento; verba é cada uma das cláusulas ou artigos de um documento ou escritura; nota; comentário; apontamento; parcela. Obrigada Priberam e menina historiadora. Venha para a semana menina. Sorriso. Já muito andou para aqui chegar e ainda muito tem que andar. Para a semana está cá o conservador. Fale com ele. Talvez possa ir lá para trás folhear os livros à vontade e escrever a sua história. Ou a nossa. Entretanto vou seguir as ligações, as notas à margem. Vá para casa ler os laços. Tem aqui o meu número para o que for preciso. Que maravilha, obrigada menina historiadora. Afinal, depois da estranheza do embate, a folhas tanto, a dois, pode ter graça. Menos solitário, aprende-se mais pelo caminho.

P.S. a palavra verba aparece em imensas locuções latinas: verba non debent esse superflua [não deve haver palavras supérfluas]; inania verba [palavras ocas];
jurare in verba magistri [jurar pelas palavras do mestre]; res, non verba [obras, não palavras]; sesquipedalia verba [palavras de seis pés de comprimento]; verba et voces, praetereaque nihil [palavras e vozes e nada mais].

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