borboleta

minha linda, queria contar-te do meu dia de hoje porque sei que ficarias contente. sinto-me melhor, já não sou só tristeza. e também já não sou só lágrimas e melancolia. voltei a esta fotografia de ti, que adoro. sinto carinho, quentinho ao rever o teu sorriso maravilhoso. vou imprimi-la em papel fotográfico e emoldurá-la para te ver todos os dias. a escrita, entretanto, paralisou. a ver se amanhã te conto.

Sofia, by Catarina, 7 Jun. 2007.
 

flâneuse


[um texto que veio de 2011 até aqui: flâneuse]
Sofia, by Catarina, Nov. 2011

“Um flaneur pode bem ser alguém que se passeia ou move sem um propósito ou direcção pré-definidos, que viaja sem destino marcado, que dá um passo atrás do outro de forma descomprometida e relaxada. Uma flâneuse pode bem ser a Sofia.
A Sofia está assim no mundo – she loves to roam, to laugh, and to take pictures!
Para qualquer lugar que vá, descontraídamente, leva a máquina fotográfica consigo.

O mote para a exposição era ‘olhares no feminino’, e a Sofia decidiu apresentar algumas fotografias dos muitos lugares por onde andou. Um olhar feminino sobre os lugares? Não, a Sofia acha que as fotografias são unisexo. Será que conseguimos descobrir o sexo do fotógrafo vendo as suas imagens? Não sei. Só sei que (foi o que ela me disse) estas fotografias obedecem a uma certa matemática, e que são todas tiradas em tilt shift – um nome esquisito que quer dizer que é tudo menos photoshop e que não é fake tilt shift. Ou seja, a Sofia usa uma lente que não encaixa na máquina fotográfica, encontra um ponto de focagem e dispara. Apenas uma linha fica no foco, e todo o resto desfocado, com a aparência de um mundo em miniatura. É este o mundo feminino da Sofia: o lugar onde todos os lugares são susceptíveis de ser explorados, randomly.”

“Olhares no Feminino ou a celebração de ‘flâneuse'” exposição no Salão Medieval, Largo do Paço, Braga, até 12 de Dezembro!

By Catarina Miranda à(s) novembro 21, 2011 

pedaços de ti

Há uma hora do dia, no inverno, em que a luz da manhã atravessa a casa toda, desde o meu quarto até à cozinha. Será entre as nove e picos e as nove e picos. É tempo de deixar o sol e o ar entrar. Não creio que se veja nada do lado de lá, dos prédios em frente, mas nós vemos, mesmo que as janelas deles estejam fechadas, os hóspedes do hotel. É, instalaram o chuveiro dos quartos junto das janelas que dão para as traseiras. Ainda que o vidro seja fosco, vemos os seus corpos nus debaixo de água, a ensaboarem-se. Também ouvimos, à noite, o som dos tacos do bilhar a bater nas bolas, misturado com o rasto dos carros que passam a espaços na rodovia. Recorda-me o som que se ouvia na casa da tia Sílvia, em Guimarães, à noite. Devo ter ficado poucas vezes lá a dormir, talvez só uma até, mas não me esqueço desse som dos carros a passar – o que, para uma menina que vivia fora da cidade, era o som da civilidade. Já passou um mês. Achei que me devia permitir chorar-te, porque, na verdade, não conseguia deixar de pensar em ti a toda a hora. Ainda não consigo. Procurei-te por todo o lado, nas pedras da calçada, nas nuvens, e nos sons que deixaste. Ver-te em fotografias e ouvir-te faz-me bem. Ou não. Não sei. Sei que passou um mês, não porque o sinta, mas porque o diz o calendário e o correr dos dias. Ontem fui almoçar com a minha mãe à Centésima, a Ana apareceu e a tua mãe não quis ir. Está à espera dum sinal. Estivemos ao sol, no jardim onde leste Botto para a câmara e apareceu um gato preto, fofo, lindo. Fotografamos, gravamos o som que se ouvia lá, dos pintainhos do vizinho, de um outro pássaro mais tímido, do sino dos Congregados. Ou melhor, tentamos, porque a câmara do telefone ficou louca e a produzir imagens estranhas, movediças, e o som duma bobine a passar um filme em película! Não sei porquê nem para quê, porque não tos posso mandar. Está a chegar a data dos teus anos e não ta posso enviar, como fazíamos – uma fotografia da data impressa na validade de uma qualquer embalagem. Na procura dos pequenos tus que semeaste na internet, encontrei o teu museu das datas expiradas. Tantos pedaços de ti que deixaste por aí… contudo, tão poucos… Ontem faria anos Virginia Wolf. Ter-te-ás já encontrado com ela? Espero que a doce Laila te tenha procurado e que consigas ler estas mensagens para ti.

na Centésima, 25 Jan. 2023.
 

Ana & Sofia

 [originalmente, à flor da pele]

Não sabemos como é que as vidas se cruzam e se intricam umas nas outras, mas sabemos que está tudo à flor da pele. Por isso por mais que não queiramos que nada saibam de nós, o nosso corpo é indiscreto. A pele, por exemplo, em íntima ligação com o sistema nervoso, responde muito sensivelmente aos acontecimentos emocionais. E mesmo que não queiramos ligar às nossas emoções, elas encontram uma forma de falar por nós através da pele. E a pele chora.

Esta é a pele da Ana. Esta é a pele da Sofia.

Duas raparigas que irradiam luz.

Esta pele é da Ana, minha avó.

Uma mulher que não fazia reserva dos seus sentimentos e que irradiava toda a força do universo. A pele da minha avó não chorava. Tão só porque não tinha medo de dizer o que sentia e mandava à fava todos os fantasmas – a única forma de encontrar espaço para sorrir a cada acordar e sentir que a vida é bela.

[repost de mensagem publicada na outra cochinilha em outubro de 2012, intitulada à flor da pele]

CoraçãoSofia

minha querida: estou a ouvir-te enquanto te escrevo e queria dizer-te que a tua voz é tão linda que até dói. a helena partilhou o teu último agora aconteceu para a rum...  2006, tão longe que já vai... ainda o manuel não tinha nascido... é tão bom ouvir-te, parece que estás aqui... e não é a primeira vez hoje, imagina que me pus a ouvir as mensagens audio que trocamos - que maravilhoso o teu riso! que saudades! 
os últimos dias têm durado eternidades. ontem parece que foi há dez anos. e olha, ias-te rir e mandar-me ir ao médico: estacionei o carro, bati a porta e só quando precisei dele no dia seguinte e lá voltei percebi que o tinha deixado destrancado com a chave na ignição, prontinho para alguém entrar e andar! enfim, mas o que te queria dizer: 
tive uma ideia que acho que ias gostar. #coraçãosofia, para todas as imagens de corações naturais ou bastardos... percebi que espalhavas corações pelo mundo inteiro e não apenas comigo e que havias de gostar de ver muitos corações sofia por aí fora. 
imaginei o cúmulo disto e em 3033 a palavra coração-sofia designar todas os seres nascidos acidentalmente com o formato de um coração. e uma criança perguntar porque se chamavam coração sofia todas as aparições do mundo em forma de coração, como as efémeras nuvens coração. 
e alguém dizer que um dia uma menina linda chamada Sofia, que transformava o ar em melodia, fez uma enciclopédia gráfica com tipologias dos corações que encontrou ao longo da sua breve vida e os partilhou com todos aqueles que tiveram o privilégio de se cruzar com ela, mesmo que por breves instantes e sempre em encontros inesperados, para que não se esquecessem nunca do amor. 
bem, depois a ana fez-me descer à terra. disse que o melhor era o hashtag para que as pessoas pudessem identificar esses corações como #coraçãosofia e continuar a espalhar o teu amor por aí. sei que vais andar sempre por cá a insuflar corações de cada vez que alguém pensar em ti, de cada vez que alguém sair à rua num dia de chuva, sem guarda-chuva, e voltar o rosto para o céu para se deixar molhar, de cada vez que alguém fechar os olhos para ouvir o silêncio.
#coraçãosofia porque adoravas todos os corações. os das nuvens, das batatas e das couves, das flores, das pedras, das paredes, dos rebuçados, da comida dos gatos, das pinturas. fossem eles acidentais, imaginados ou criados, partidos, remendados ou apaixonados, azuis ou encarnados.
#coraçãosofia, uma maneira, em molde coração, de te termos à nossa beira. 
um pedaço de ti, um acaso, um suspiro.

[um coração Sofia partilhado por mensagem, por ti] 

Sofia, tu sabes

já passaram alguns dias desde que nos deixaste and yet, as palavras não saem. já construí mil textos na cabeça and yet, nada flui. esta é a primeira vez que tento pô-las “em papel”. não sei o que sinto, se calhar devia escrever com o coração, mas também acho que não sei como é que isso se faz. também acho que não preciso de escrever nada, porque “tu sabes”. dizem que escrever ajuda a encerrar ciclos, o que é que quer que isso queira dizer. mas eu não quero fechar nada, quer deixar tudo aberto, não quero que morras em mim. quero sempre recordar-te e sempre elogiar-te e sempre sentir que tive uma sorte do caraças por me teres escolhido para ser tua amiga, ainda não sabíamos nós quase nada da vida. ou talvez já soubesses tu, Sofia, tudo, assim que nasceste. dois meses antes de mim, nasceste, e os teus pais já sabiam que te irias chamar Sofia. Sofia, conhecimento, sabedoria. o que talvez ninguém soubesse era que irias tocar tantos e tão poucos, com a leveza do teu corpo e da tua presença, o abraço do teu sorriso, a alegria das tuas gargalhadas, a sensualidade e a doçura da tua voz, o carinho das tuas palavras queridas e a tua liberdade. não existem palavras escritas em papel com som, nem encontro palavras capazes para descrever tudo o que tu és, ou o que és em mim. sei, agora, ou sempre soube, que não és só minha, que habitas em todos aqueles que tiveram a sorte de te conhecer, ou todos aqueles que escolheste para fazerem parte da tua viagem. graças a ti, e só graças a ti conheci pessoas lindas. a eugenia, a helena, a natasha, etc, etc, etc. e o que é que há de mais maravilhoso neste mundo senão as pessoas? também descobri a magia da fotografia no laboratório que o teu pai tinha na garagem. vês? tu sabes! tanto do que sou, sou graças a ti. não escalamos montanhas juntas nem subimos à torre Eiffel, não passamos férias na Cote d’Azur, não estivemos deitadas na terra a olhar o ceu estrelado, não ouvimos o correr do riacho até ao mar, não fizemos o azul. talvez tenhamos visto a heidi juntinhas, não sei, não me lembro. tu sabes o quanto a minha memória é traiçoeira. e por falar nisso, foi por isso mesmo que imaginamos a covitrine como um medicamento para o esquecimento. tanto que ficou por fazer, tanto que ficou por gravar, por escrever, por cantar. tomamos muito café juntas, isso sim. eu por cá fico, mais um bocadinho, a fazer cafés em máquinas italianas ao lume dum fogão a gás e a tentar escrever cartas de amor. e teses. e contos e histórias. fico só mais um bocadinho para fazer tudo o que te prometi, ainda que nunca tenha sido sequer pensado quanto mais dito, mas tu sabes, como só tu dizias “oh, tu sabes”. até já, meu grande amor.